LISBOA hoje
Hoje andei em mais transportes públicos que os que habitualmente utilizo. Nomeadamente, de comboio! Adoro comboios. São rápidos, cómodos, eficazes. Quem dera que existissem sempre por todo o lado a preços baixos!
Os autocarros ficam presos no trânsito, parados em obstáculos diversos, cheiram mal... digam lá: como é que num autocarro que funciona das 6 ás 22.00 horas, ás 8.15 da manhã, quando o apanho, já cheira mal? Só pode ser porque não são diariamente limpos. Não existe a devida higiene. Onde os comboios não chegam, só deviam existir eléctricos!
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O percurso de hoje fugiu da rota habitual e tive de atravessar Lisboa de autocarro. Há algo que fere a emoção quando vejo o quanto é uma cidade maltratada. Tem uma beleza muito própria, é bonita, mas achovalhada. Suja, vandalizada. Nada tem a ver com a mítica Lisboa, com cujas qualidades aprendemos a sonhar. Noutro dia li na internet um comentário humorístico que contrapunha com factos actuais, cada parte da letra da música "Cheira bem, cheira a Lisboa".
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É que Lisboa assumiu outros odores. Embora ainda prevaleça a maresia, perfume de flores é mesmo coisa do passado. É uma cidade porca, com cheiro a urina e suor.
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Gosto muito de olhar para as fachadas antigas e Lisboa é rica e bela nestes ornamentos arquitectónicos. Mas hoje fiquei mal quando o percurso do autocarro me mostrou grafitti por toda a parte, ruas cheias de lixo a esvoaçar e muitos, mas muitos mendigos.

Pela janela do autocarro observei um homem que carregava energeticamente um saco de plástico verde. Caminhou, caminhou, até que avistou o mesmo que eu: uma mendiga encostada numa paragem. O homem viu, continuou a andar, recuou e ofereceu-lhe o conteúdo do saco: três maças amarelas. Podia ter dado duas e mantido uma, mas deu-as todas. E olhem que ele ia contente a baloiçar a fruta que, decerto havia comprado já a pensar no quanto lhe iam saber bem. Retomou o seu rumo carregando o saco vazio. A mulher, idosa, estendeu logo a mão e sorriu. repetiu várias vezes o gesto de "faca para descascar" a fruta. Talvez nem tivesse bons dentes para a mastigar, daí insistir no gesto. Ainda com um sorriso na face, trata de mexer na enorme sacola, ora para lá colocar a fruta ou não, mais não sei, porque o trânsito desbloqueou e mais não vi.
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Esta observação foi o suficiente para me fazer pensar porquê são as pessoas comuns que, ora com o gesto deste homem, ora com voluntariado e caridade, tratam de tentar dar ou levar algum conforto ou uma vida mais digna e sem fome a estas pessoas. Não devia ser uma prioridade do Estado português?
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Bem sei que no tempo de Salazar vivia-se numa ditadura. Qualquer um podia ser preso por vagabundagem. Mas ao ver Lisboa desse tempo, nas imagens a preto e branco de eventos televisionados ou nos filmes clássicos com Vasco Santana, António Silva e Ribeirinho, gostava de viver numa Lisboa assim. Queria que Lisboa estivesse bonita, limpa, com bonitos espaços verdes, relvada, florida, em todo o seu esplendor. É surpreendente como a cidade consegue revelar a sua beleza mesmo sobre décadas de maus-tratos.
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Perto do Cais do Sodré, naquela rua principal que leva ao Tribunal de Justiça de Lisboa, o tal que vai ser encerrado para o espaço virar um hotel para turistas, avistei uma fachada de um prédio cheia de grafitti até ao topo das águas furtadas. Passa uma imagem porca da cidade, ainda mais, tão perto de um tribunal.
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As pessoas que sairam do autocarro, que avançava pouco devido ao trânsito e ás obras locais, chegaram a pé primeiro do que eu, que ia no autocarro, à estação do Cais de Sodré. Aqui, a típica organização portuguesa volta a mostrar o que é. Há muito que não ia para aqueles lados e necessitei de ter um atendimento pessoal para ficar esclarecida sobre o rumo a tomar. Senti a ausência dos guichés onde, apenas 4 anos antes, comprava os bilhetes do comboio. Andei à procura de um local de informações e lá encontrei um gabinete. Algo me dizia que não iam fazer um gabinete aberto para esclarecimentos sobre horários e linhas de comboios mas na ausência de alternativas, antes levar com uma nega do que não tentar. Fiquei a saber que existe venda de bilhetes com atendimento pessoal logo "atrás" desse gabinete informativo. Mas tudo o que consegui ver foram inumeras vitrines de uma cadeia de supermercado. Fica longe dos comboios, essa venda de bilhetes personalizada :)
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Munida de um horário na mão e outros papéis informativos sobre a CP, tal e qual uma turista, sou então abordada por um homem que me pergunta se me pode fazer uma pergunta. Distraida e concentrada, pensava que me ia perguntar algo sobre os comboios, e é quando percebo que está a pedir. Diz que está há mais de uma hora a tentar juntar 85 cêntimos para comer qualquer coisa e ninguém lhe dá atenção. Acho isso estranho mas não estive para tentar perceber se é ladaínha diária ou não. Que diferença faz, se a fome é real? Transportava comigo um saco transparente onde se podia ver uma sandes e acabei por lha dar.
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Lisboa é a cidade do quê?
"Cheira bem, cheira a Lisboa" já não lé luva que lhe cai bem.
Agora Lisboa cheira a quê, afinal?
Outros blogues que falam de Lisboa:
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1336632
http://escrevinhandoo.blogspot.com/2005/05/mendigos-de-lisboa.html