quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mas temos saúde!

Já faz coisa de 2 semanas. Estava na camioneta, não num autocarro da carris. Uma "velhota" nos seus 65 anos senta-se no banco à minha frente. Na verdade, quem estava sentada nele era eu mas, como estava a ler o jornal e a senhora quis sentar-se ali, cedi o lugar. Minutos depois, outra velhota senta-se a seu lado. Começaram as duas logo a conversar. Uma mais carente que a outra, sem dúvida, por conversa. Na verdade estão perto do grito, de tão alto que falam. Todo o autocarro ficou a par da conversa das duas.
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Lá descobriram que tinham conhecidos em comum, visto serem ambas naturais da mesma aldeola. Após um rol de trocas de informações sobre vizinhos, conhecidos e familiares, a mais rezingona sai-se com esta:
-"Hoje em dia os jovens têm tudo e não estão satisfeitos com nada, querem sempre mais! No nosso tempo é que era difícil. Ali no campo, de manhã até ao entardecer, de costas dobradas... mas olha; TEMOS SAÚDE!"
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- "E nós (gerações posteriores) não." - pensei.
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Esta constante afirmação que os mais velhos fazem, deixa-me incomodada. Porque demonstra um grande desconhecimento dos factos da vida. Que não lhes levo a mal, mas que tem de começar a ser dita. Vozes têm de dizê-la. É muito simples: pouca coisa muda. A forma de trabalhar mudou. Não estamos mais no campo, mas em escritórios fechados, de manhã até de noite. Perdemos horas fechados nos carros (ou autocarros) e não andamos na carroça puxada pelo burro. De resto... meus amigos, as coisas, de uma certa maneira, pela perspectiva humana e de convívio com terceiros, piorou muito mais!
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Aquela senhora, ao querer dizer que a vida agora é fácil (compreendo-a) porque viveu-a sobe um grande esforço físico, termina a dizer que chegou aos 65 anos com saúde. Estando eu na metade desse número, quem me garante que chego lá e vou dizer o mesmo?
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Conheço cada vez mais pessoas de todas as idades, com problemas de stress que resultam também em problemas de saúde. A vida está cheia de problemas e discussões no trabalho, em casa... os miúdos hoje em dia continuam a "pedinchar" o afecto dos pais, que têm muito pouco tempo para si mesmos e, por isso, muita pouca paciência para as crianças. E estas, como não convivem na rua com outras da sua idade, nem andam a trabalhar no campo como antigamente, o que lhes resta? A solidão.
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Sabem? Quando chegar aos 65 anos, posso sentar-me todos os dias num banco de uma camioneta que nunca irá aparecer uma senhora da minha idade, originária da minha cidade, e vamos conversar sobre os inúmeros conhecidos que temos em comum. As gerações posteriores desfizeram mais os laços - ou não os ataram.
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Aos 65 anos vou sentar-me numa camioneta a pensar com os meus botões que, sem ser com a rapariga da caixa do supermercado, não falo com ninguém há uma semana. E vou sentar-me ali, achando que sou invisível, sentindo-me sozinha e sem saúde...

1 comentário:

  1. É de facto inquietante, mas tens toda a razão... acho que hoje há mais por onde ter as coisas facilitadas, se assim quisermos... mas por outro lado, de facto esse sentimento de desenraízamento mexe imenso comigo... foi por isso que senti que viver nos arredores de uma grande cidade não era para mim.. é de facto extraordinariamente solitário... ainda por cima, tenho uma incrível dificuldade em mover-me sem ser entre amigos (já deves estar a imaginar as complicações que esta minha exigência me deve trazer... estúpida exigência, aos olhos da maioria das pessoas... afinal de contas, quem precisa dos outros? quem precisa de amizade? precisamos apenas de dinheiro e de não ter problemas)... no meu trabalho, preciso fazer amigos... onde quer que vá sinto que preciso fazer amigos... mas muitas vezes sinto que isso é impossivel simplesmente porque as pessoas todas têm mais do que fazer do que fazer amigos...

    Concordo em absoluto contigo que é por não terem tempo para si próprios que os pais não conseguem ter paciência para os filhos...

    Beijinhos, parabéns pelo ultra-pertinente post...

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