quarta-feira, 3 de junho de 2009

Cheira a Lisboa


LISBOA hoje

Hoje andei em mais transportes públicos que os que habitualmente utilizo. Nomeadamente, de comboio! Adoro comboios. São rápidos, cómodos, eficazes. Quem dera que existissem sempre por todo o lado a preços baixos!


Os autocarros ficam presos no trânsito, parados em obstáculos diversos, cheiram mal... digam lá: como é que num autocarro que funciona das 6 ás 22.00 horas, ás 8.15 da manhã, quando o apanho, já cheira mal? Só pode ser porque não são diariamente limpos. Não existe a devida higiene. Onde os comboios não chegam, só deviam existir eléctricos!

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O percurso de hoje fugiu da rota habitual e tive de atravessar Lisboa de autocarro. Há algo que fere a emoção quando vejo o quanto é uma cidade maltratada. Tem uma beleza muito própria, é bonita, mas achovalhada. Suja, vandalizada. Nada tem a ver com a mítica Lisboa, com cujas qualidades aprendemos a sonhar. Noutro dia li na internet um comentário humorístico que contrapunha com factos actuais, cada parte da letra da música "Cheira bem, cheira a Lisboa".

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É que Lisboa assumiu outros odores. Embora ainda prevaleça a maresia, perfume de flores é mesmo coisa do passado. É uma cidade porca, com cheiro a urina e suor.

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Gosto muito de olhar para as fachadas antigas e Lisboa é rica e bela nestes ornamentos arquitectónicos. Mas hoje fiquei mal quando o percurso do autocarro me mostrou grafitti por toda a parte, ruas cheias de lixo a esvoaçar e muitos, mas muitos mendigos.


Pela janela do autocarro observei um homem que carregava energeticamente um saco de plástico verde. Caminhou, caminhou, até que avistou o mesmo que eu: uma mendiga encostada numa paragem. O homem viu, continuou a andar, recuou e ofereceu-lhe o conteúdo do saco: três maças amarelas. Podia ter dado duas e mantido uma, mas deu-as todas. E olhem que ele ia contente a baloiçar a fruta que, decerto havia comprado já a pensar no quanto lhe iam saber bem. Retomou o seu rumo carregando o saco vazio. A mulher, idosa, estendeu logo a mão e sorriu. repetiu várias vezes o gesto de "faca para descascar" a fruta. Talvez nem tivesse bons dentes para a mastigar, daí insistir no gesto. Ainda com um sorriso na face, trata de mexer na enorme sacola, ora para lá colocar a fruta ou não, mais não sei, porque o trânsito desbloqueou e mais não vi.
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Esta observação foi o suficiente para me fazer pensar porquê são as pessoas comuns que, ora com o gesto deste homem, ora com voluntariado e caridade, tratam de tentar dar ou levar algum conforto ou uma vida mais digna e sem fome a estas pessoas. Não devia ser uma prioridade do Estado português?
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Bem sei que no tempo de Salazar vivia-se numa ditadura. Qualquer um podia ser preso por vagabundagem. Mas ao ver Lisboa desse tempo, nas imagens a preto e branco de eventos televisionados ou nos filmes clássicos com Vasco Santana, António Silva e Ribeirinho, gostava de viver numa Lisboa assim. Queria que Lisboa estivesse bonita, limpa, com bonitos espaços verdes, relvada, florida, em todo o seu esplendor. É surpreendente como a cidade consegue revelar a sua beleza mesmo sobre décadas de maus-tratos.
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Perto do Cais do Sodré, naquela rua principal que leva ao Tribunal de Justiça de Lisboa, o tal que vai ser encerrado para o espaço virar um hotel para turistas, avistei uma fachada de um prédio cheia de grafitti até ao topo das águas furtadas. Passa uma imagem porca da cidade, ainda mais, tão perto de um tribunal.
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As pessoas que sairam do autocarro, que avançava pouco devido ao trânsito e ás obras locais, chegaram a pé primeiro do que eu, que ia no autocarro, à estação do Cais de Sodré. Aqui, a típica organização portuguesa volta a mostrar o que é. Há muito que não ia para aqueles lados e necessitei de ter um atendimento pessoal para ficar esclarecida sobre o rumo a tomar. Senti a ausência dos guichés onde, apenas 4 anos antes, comprava os bilhetes do comboio. Andei à procura de um local de informações e lá encontrei um gabinete. Algo me dizia que não iam fazer um gabinete aberto para esclarecimentos sobre horários e linhas de comboios mas na ausência de alternativas, antes levar com uma nega do que não tentar. Fiquei a saber que existe venda de bilhetes com atendimento pessoal logo "atrás" desse gabinete informativo. Mas tudo o que consegui ver foram inumeras vitrines de uma cadeia de supermercado. Fica longe dos comboios, essa venda de bilhetes personalizada :)
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Munida de um horário na mão e outros papéis informativos sobre a CP, tal e qual uma turista, sou então abordada por um homem que me pergunta se me pode fazer uma pergunta. Distraida e concentrada, pensava que me ia perguntar algo sobre os comboios, e é quando percebo que está a pedir. Diz que está há mais de uma hora a tentar juntar 85 cêntimos para comer qualquer coisa e ninguém lhe dá atenção. Acho isso estranho mas não estive para tentar perceber se é ladaínha diária ou não. Que diferença faz, se a fome é real? Transportava comigo um saco transparente onde se podia ver uma sandes e acabei por lha dar.
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Lisboa é a cidade do quê?
"Cheira bem, cheira a Lisboa" já não lé luva que lhe cai bem.
Agora Lisboa cheira a quê, afinal?

Outros blogues que falam de Lisboa:

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1336632

http://escrevinhandoo.blogspot.com/2005/05/mendigos-de-lisboa.html







5 comentários:

  1. Lisboa cheira ao que cheiram os sítios onde o que o ser humano tem de melhor e de pior vem ao de cima... mas não existe depois capacidade para ajudar essas pessoas a resolver os seus dramas pessoais... que muitas vezes são mais uma questão de atitude do que propriamente de dinheiro, emprego, ou até mesmo saúde. Tenho por hábito não dar nada a mendigos, a não ser numa situação em que não consiga dizer que não (talvez assim como a tua)... mas acho que essas pessoas necessitam de orientação a outros níveis e por vezes sinto que dar-lhes dinheiro é contibuir para que permaneçam na situação em que estão... já comida é diferente... ai Lisboa, Lisboa... sempre gostei muito e ainda gosto... mas viver ou trabalhar lá daria comigo em doida, tenho a certeza! :D

    Beijinhos, vizinha!

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  2. As pessoas têm opiniões variadas sobre qual a melhor forma de lidar com a pobreza - mais ainda a mendiguice. Compreendo o que dizes e até já conclui o mesmo. Mas na hora que me abordam ou deparo com alguém a pedir, está na minha natureza dar. Este gesto tanto pode ser bom quanto péssimo, porque prolonga a situação por mais um dia. Se todos derem dinheiro, alimentos e roupas, então o governo não toma medidas. Sabes que há uns anos era aceitável na sociedade não dar ajuda a mendigos. Acreditava-se que não os ajudava a sair da situação. Se formos ao passado, as pessoas pobres sempre mendigavam ajuda e as igrejas e outros beneméritos sempre davam. Mas a pobreza não acabava. Mas também, acho que as pessoas eram mais exploradas, tinham muitos filhos para sustentar e eram mal remuneradas pelo seu trabalho. Ás vezes, um dia de muito esforço tinha o valor de um prato de comida! Lembro de ouvir os mais velhos contar que antigamente faltava muita coisa, menos trabalho. Bastava bater à porta de alguém e sempre, numa manhã, em poucas tentativas, arranjavam o que fazer e eram pagos a seguir. Também lembro que quando era menina, haviam sítios que expulsavam logo as pessoas mendigas ou de aspecto sem higiene. Pastelarias, por exemplo. Até os miúdos que pediam na rua, ciganos ou não, eram corridos do interior dos cafés. Agora tudo está mesclado, ninguém diz nada, mas está tudo pior.

    Hoje as pessoas convivem com a pobreza a 1 cm de distância e estão a ganhar distanciamento emocional. E isso é mau. Quantas vezes não se viam mulheres estrangeiras nos semáforos, a abordar as viaturas, sempre a carregar um bebé ao colo? Acho que o governo agiu contra isso e agora nunca mais os vi. Mas as pessoas habituavam-se e nem viam a coisa direito. As crianças eram exploradas. Alugadas para ali estar!

    Actualmente preferem dar comida que transportem consigo, a dar dinheiro. Custa mais dar uns trocos. Logo a seguir são precisos, porque as coisas estão muito caras. E o dinheiro serve para comprar o que o outro quiser, não necessariamente comida. Aos drogados nunca dei nada. Uma vez fui abordada por um e, para surpresa e concordância dos que me rodeavam, respondi que não o ajudava e que devia procurar uma clínica ou pessoas, que isso é que realmente o ia ajudar. E o hábito das pessoas em dar 1€ depois de estacionar o carro, sempre achei condenável. Temem a viatura vandalizada e dão. É um péssimo hábito que, felizmente, nunca vi os da minha família alimentar e nunca que lhes riscaram os carros. Se bem que agora, até isso está com as máfias de Leste e outras redes criminosas. Agora provavelmente, faziam pior! Mas o GOVERNO resolveu a situação com facilidade e LUCRO: Instalou PARQUÍMETROS!

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  3. Agora, o que pode o GOVERNO fazer para tirar os mendigos das ruas? Não esconde-los ou metê-los na prisa (que isso é dispendioso). Nem exterminá-los, como se fazem com os cães. Mas debruçar-se com vontade de resolver a situação de forma a existir uma mudança palpável. Dos muitos mendigos que vi hoje, diria que 2 deles eram imigrantes, devido ao aspecto e cor da pele, a lembrar os traços habituais de outras culturas. Será que andamos a importar a pobreza? As pessoas entram e depois não saiem. Já não havia trabalho para todos os que cá estavam, mas o governo tratou da situação, permitindo a entrada de mais pessoas, legalizando os emigrantes ilegais durante mais de dois anos, e achando aceitável o muito divulgado argumento de que só elas trabalham na construção civil, quando na verdade, a construção civil é que se aproveitava da mão-de-obra barata, e assim, pagava duas pessoas com um só salário. Ao invés de combater isso, importaram pessoas desesperadas, vindas de locais onde a pobreza e a criminalidade é há muito um flagelo. Que aceitam pouco e dividem um espaço pequeno entre muitos. A sociedade portuguesa muda, é claro. Salazar defendia que o país devia ter as fronteiras "fechadas" ao estrageirismo e apostar na indústria nacional. Muitas pessoas adimiram Fidel Castro, e esquecem que este e Salazar têm a mesma política. Mas que mal há em fechar um pouco as influências e apostar no que é nosso? Não é isso que torna um país rico? O problema de Portugal foi se envergonhar de ser pequeno e querer embarcar na boleia da CEE (agora CE). Agora tem um "patrão", ao qual tem de obedecer, senão é castigado. Portugal «vendeu-se» à Europa, cego pela ambição de fazer parte da maior economia e conquistar o Mundo. E começou logo por sacrificar os seus recursos naturais! Com a tal da PAC (política agrícula comum), a fazer com que os agricultores tivessem de produzir menos, e menos, e dentro de condições difíceis, a rivalizar com outros países que conseguem melhores preços e maiores quantidades. Assassinando a economia e exterminando a profissão LAVRADOR. E o que é Portugal agora, 20 anos depois de entrar na CE? Um dos países mais pobres da cada vez mais extensa lista de países da união. Ainda! E os EUA continua a mandar na economia mundial...

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  4. Lisboa tem fachadas de prédios lindas mas estão sujas, cheias de gatafunhos que pretendem ser grafittis mas que não passam de poluição visual, e lixo por todo lado. Para já não falar dos sem-abrigo que se encontram por todo o lado.

    Uma coisa que me faz muita confusão, é o lixo. Eu vivo numa cidade dos subúrbios de Lisboa mas dou aulas num colégio de Lisboa. Aqui, existe um molok rua sim, rua não, ecopontos rua sim, rua não. Na zona do meu colégio é só sacos de lixo à porta dos prédios... é um nojo para já não falar do mau aspecto que dá. Enfim
    !

    Beijokas!

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  5. O ideal é agarrar em nós e fazer algo para mudar de facto essa situação... criar organizações, formas de apoio, enfim...

    Eu não acho que tenha de ser o governo quem tem obrigação de ajudar... o governo pode ajudar, talvez... mas é da responsabilidade das próprias pessoas fazer as suas escolhas e reagir... e acho que é nesse processo que devemos dar a mão, em vez de optar pela solução mais fácil... mas eu sou confrontada com essa realidade muito poucas vezes; se o fosse mais vezes, provavelmente ficaria na dúvida em relação ao que fazer.

    Acho dar comida uma boa ideia, embora nem sempre exista essa possibilidade... porque a fome... a fome é outra conversa... uma coisa é dar dinheiro, outra é dar comida... eu dar comida não acho mal, não acho mesmo, sejam quais forem as circunstâncias.

    Pois é, linda... as coisas do mundo sempre foram e sempre hão-de ser muito compicadas... dinstinguir o certo do errado será sempre um enigma para nós, simples seres humanos...

    Beijoka!

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